Este tipo de aprendizagem que visa nem tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento pode ser considerado, simultaneamente, como um meio e uma finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades profissionais, para comunicar. Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir. Apesar dos estudos sem utilidade imediata estarem desaparecendo, tal a importância dada atualmente aos saberes utilitários, a tendência para prolongar a escolaridade e o tempo livre deveria levar os adultos a apreciar cada vez mais , as alegrias do conhecimento e da pesquisa individual. O aumento dos saberes, que permite compreender melhor o ambiente sob os seus diversos aspectos, favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição de autonomia na capacidade de discernir. Deste ponto de vista, há que repeti-lo, é essencial que cada criança, esteja onde estiver, possa ter acesso, de forma adequada, às metodologias científicas de modo a tornar-se para toda a vida "amiga da ciência"[1]. Em nível do ensino secundário e superior, a formação inicial deve fornecer a todos os alunos instrumentos, conceitos e referências resultantes dos avanços das ciências e dos paradigmas do nosso tempo.
Aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento. Desde a infância, sobretudo nas sociedades dominadas pela imagem televisiva, o jovem deve aprender a prestar atenção às coisas e às pessoas. A sucessão muito rápida de informações mediatizadas, o "zapping" tão freqüente, prejudicam de fato o processo de descoberta, que implica duração e aprofundamento de apreensão. Esta aprendizagem da atenção pode revestir formas diversas e tirar partido de várias ocasiões da vida (jogos, estágios em empresas, viagens, trabalhos práticos de ciências...).
Por outro lado o exercício da memória é um antídoto necessário contra a submersão pelas informações instantâneas difundidas pelos meios de comunicação social. Seria perigoso imaginar que a memória pode vir a tornar-se inútil, devido a enorme capacidade de armazenamento e difusão das informações de que dispomos daqui em diante. É preciso ser, sem dúvida, seletivo na escolha dos dados a aprender "de cor" mas, propriamente, a faculdade humana de memorização associativa, que não é redutível a um automatismo, deve ser cultivada cuidadosamente. Todos os especialistas concordam em que a memória deve ser treinada desde a infância, e que é errado suprimir da prática escolar certos exercícios tradicionais, considerados como fastidiosos.
Finalmente, o exercício do pensamento ao qual a criança é iniciada, em primeiro lugar, pelos pais e depois pelos professores, deve comportar avanços e recuos entre o concreto e o abstrato. Também se devem combinar, tanto no ensino como na pesquisa dois métodos apresentados, muitas vezes, como antagônicos: o método dedutivo por um lado e o indutivo por outro. De acordo com as disciplinas ensinadas, um pode ser mais pertinente do que o outro, mas na maior parte das vezes o encadeamento do pensamento necessita da combinação dos dois.
O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode enriquecer-se com qualquer experiência. Neste sentido, liga-se cada vez mais à experiência do trabalho, à medida que este se torna menos rotineiro. A educação primária pode ser considerada bem sucedida se conseguir transmitir às pessoas o impulso e as bases que façam com que continuem a aprender ao longo de toda a vida, no trabalho, mas também fora dele.
Convém distinguir, a este propósito, o caso das economias industriais onde domina, o trabalho assalariado do das outras economias onde domina, ainda em grande escala, o trabalho independente ou informal. De fato, nas sociedades assalariadas que se desenvolveram ao longo do século XX, a partir do modelo industrial, a substituição do trabalho humano pelas máquinas tornou-se cada vez mais imaterial e acentuou o caráter cognitivo das tarefas, mesmo nas indústria, assim como a importância dos serviços na atividade econômica. O futuro dessas economias depende, aliás, da sua capacidade de transformar o progresso dos conhecimentos em inovações geradoras de novas empresas e de novos empregos. Aprender a fazer não pode, pois, continuar a ter o significado simples de preparar alguém para uma tarefa uma tarefa material bem determinada, para fazê-lo fabricar no fabrico de alguma coisa. Como conseqüência, as aprendizagens devem evoluir e não podem mais serem consideradas como simples transmissão de práticas mais ou menos rotineiras, embora estas continuem a ter um valor formativo que não é de desprezar.
Sem dúvida, esta aprendizagem representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O mundo atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta por alguns no progresso da humanidade. A história humana sempre foi conflituosa, mas há elementos novos que acentuam o problema e, especialmente, o extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade no decorrer do século XX. A opinião pública, através dos meios de comunicação social, torna-se observadora impotente e até refém dos que criam ou mantém conflitos. Até agora, a educação não pôde fazer grande coisa para modificar esta situação real. Poderemos conceber uma educação capaz de evitar os conflitos, ou de os resolver de maneira pacífica, desenvolvendo o conhecimento dos outros, das suas culturas, da sua espiritualidade?
Parece, pois, que a educação deve utilizar duas vias complementares.Num primeiro nível, a descoberta progressiva do outro. Num segundo nível, e ao longo de toda vida, a participação em projetos comuns, que parece ser um método eficaz para evitar ou resolver conflitos latentes.
Desde a sua primeira reunião, a Comissão reafirmou, energicamente, um princípio fundamental: a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa - espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida.
O relatório Aprender a ser (1972) exprimia, no preâmbulo, o temor da desumanização do mundo relacionada com a evolução técnica. A evolução das sociedades desde então e, sobretudo, o enorme desenvolvimento do poder mediático veio acentuar este temor e tornar mais legítima ainda a injunção que lhe serve de fundamento. É possível que no século XXI estes fenômenos adquiram ainda mais amplitude. Mais do que preparar as crianças para uma dada sociedade, o problema será, então, fornecer-lhes constantemente forças e referências intelectuais que lhes permitam compreender o mundo que as rodeia e comportar-se nele como autores responsáveis e justos. Mais do que nunca a educação parece ter, como papel essencial, conferir a todos seres humanos a liberdade de pensamento, discernimento, sentimentos e imaginação de que necessitam para desenvolver seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos do seu próprio destino.
Num mundo em mudança, de que um dos principais motores parece ser a inovação tanto social como econômica, deve ser dada a importância especial a imaginação e à criatividade; claras manifestações da liberdade humana elas podem vir a ser ameaçadas por uma certa estandardização dos comportamentos individuais. O século XXI necessita desta diversidade de talentos e de personalidades, mas ainda de pessoas excepcionais, igualmente essenciais em qualquer civilização. Convém, pois, oferecer às crianças e aos jovens todas as ocasiões possíveis de descoberta e experimentação - estética, artística, desportiva, científica, cultural e social -, que venham completar a apresentação atraente daquilo que, nestes domínios, foram capazes de criar as gerações que os procederam ou suas ontemporâneas. Na escola, a arte e a poesia deveriam ocupar um lugar mais importante do que aquele que lhes é concedido, em muitos países, por um ensino tornado mais utilitarista do que cultural. A preocupação em desenvolver a imaginação e a criatividade deveria, também, revalorizar a cultura oral e os conhecimentos retirados da experiência da criança ou do adulto.
É escusado dizer que os quatro pilares da educação, acabados de escrever, não se apóiam, exclusivamente, numa fase da vida ou num único lugar. Como se verá no capítulo seguinte, os tempos e as áreas da educação devem ser repensados, completar-se e interpenetrar-se de maneira a que cada pessoa, ao longo de toda a sua vida, possa tirar o melhor partido de um ambiente educativo em constante ampliação.
Conclusão
A educação ao longo de toda vida baseia-se em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser.
Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida.
Aprender a fazer, a fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Mas também aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.
Aprender a viver juntos desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências - realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos - no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.
Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. Esta perspectiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas, tanto em nível da elaboração de programas como da definição de novas políticas pedagógicas.